O Instituto Poíesis é um espaço criado para acolher projetos nas áreas de arte, filosofia e educação em suas mais amplas e possíveis interações, com o objetivo de vivenciar o processo criativo. O instituto privilegia o jardim como espaço primordial para a ocorrência da ação criadora. Jardim como lugar de impermanência, de cultivação e apreciação, de errância e magia, onde a fruição permite o restabelecimento do tempo real das coisas.

Este primeiro projeto, Filosofia no Jardim, foi desenvolvido para o atendimento individual de crianças, adolescentes, jovens e adultos interessados em conhecer o processo filosófico, com o objetivo de despertar e exercitar o potencial criativo e desenvolver um olhar crítico sobre a realidade das coisas. Para tanto o projeto propõe um diálogo a partir do jardim e da filosofia interagindo com várias linguagens como a poesia, jardinagem, literatura, música, culinária, tear, cerâmica, bordado, crochê, tricô, desenho, colagem e dobradura. Introduzindo o conceito de tempo, proporcionando experiências, acessando memórias e reunindo o indivíduo à natureza, fortalecendo suas escolhas e estimulando as habilidades práticas.

Além do Projeto Filosofia no Jardim, ofereceremos cursos de grego clássico, curso de latim clássico, palestras, grupos de estudos, encontros para discussões temáticas, exposições, dinâmicas de grupos, oficinas e saraus.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Ela então...



Ela então, o pegou no colo, e de tanto amor e carinho, olhou-o tão profundamente que suas almas se tocaram suavemente, e reconheceram-se.
A aparência já não importava e a fraqueza e defeitos ficaram pequenos, diante da grandiosidade daquele amor renascido.
Ela alimentou-o e criou espaços para respirar e se recompor, amparou-o e se desdobrou em ternura espontânea de alegria.
A felicidade recebida das pequenas migalhas que caíam da mesa era como um tesouro acolhido e transformado em banquete de delícias.
O apêndice crescia e tomava forma a cada segundo, minuto, hora, dia, mês e ano.
Ela paciente esperava todas as transformações que ainda teriam que ocorrer e se desesperava internamente para poder viver.
O sofrimento era sufocado para poder continuar o trabalho que todas as áreas exigiam e cobravam para preparar um futuro incerto.
O caminho, já há algum tempo, levava-a para um olhar neutro e acolhedor das diferenças e o diferente geralmente excluído, marginalizado e julgado passou a fazer parte de sua vida, fazendo com que diluísse o preconceito.
Naturalmente foi tecendo os sinais e caminhou nua e crua para espanto e descrédito da sociedade e estruturas constituídas.
Num determinado momento, errou aos olhos dos que vigiavam obscuros e medrosos da luz clara que emanava naturalidade e aceitação da diversidade de liberdade que habita o humano, demasiado humano.
Foi julgada e punida pela instância maior dos saberes constituídos e moralmente desmoralizada, por não vigiar, não julgar e não punir.
Sozinha despiu-se da punição e distribuiu as pedras aos que detém a verdade.
Virou-se e caminhou lenta e firme até a parede, e esperou com os olhos abertos e um sorriso maravilhoso, o desfecho daquele episódio.
Mais tarde, acorda sentindo as dores lancinantes perpassando todo o seu corpo, e percebe aflita no instante seguinte ao tentar se levantar, que não consegue mexer as pernas.
Nua e ensangüentada, sente as pedras pontiagudas que foram atiradas contra seu corpo quase que a cobrindo por inteira.
Sem forças ela sucumbe, quando sua cabeça cai novamente ao chão estrondando em um eco de dor e desfalecimento.
Algum tempo depois, algumas pessoas aparecem e iniciam um ritual de punição explícito e convicto, de início jogando água sobre ela para que despertasse, em seguida chutando todo o seu corpo.
Reunindo suas últimas forças ela abre os olhos e vê que na sua frente existiam muitas pernas e pés para seu pequeno corpo.
Porém, as pernas e pés somente faziam sofrer o corpo, as palavras sim é que penetraram  afetando forte as chagas sangrentas abertas ao ar.
Vadia, puta, vaca, biscate, cadela, prostituta, lazarenta...
Um coro de vozes ecoava juntamente com as pedras atiradas novamente contra seu corpo, enquanto ela fechava os olhos e adormecia.
Um doce sono a embalou e no sonho profundo que teve, ela caminha devagar até as pessoas que a apedrejaram, uma a uma.
Abraça-as suavemente distribuindo seu sorriso maravilhoso, em seguida, abaixa-se e cata com a mão que levava no punho um elo dourado que fazia parte de seu corpo, um pouco de terra do chão, caminha até uma fonte e molha aquela porção de terra.
Mistura e amassa a porção formando uma massa de barro, em seguida molda asas de anjos, aproxima-se das pessoas e cola as asas em suas costas.
Sorri novamente, um sorriso maravilhoso, e retira-o de sua boca e vai colando-o na boca de cada uma das pessoas.
Em seguida, com um restinho de barro que havia sobrado, ela molda um novo sorriso, cola em sua boca, dá um sopro e surpreendentemente todas as pessoas começam a voar.
Quando isso acontece, as pessoas começam a rir compulsivamente, por sinal, aquele sorriso maravilhoso.
E o sorriso alcança o coração das pessoas e amolece-os fazendo com que bata num ritmo de um som que ela ouviu no jardim e ficou guardado dentro dela para sempre.
Lá de cima, o olhar das pessoas alcança ângulos jamais vistos e então aquilo que parece ser já não é mais.
Desse modo, as coisas ficam muito mais claras e simples e as confusões se desfazem, assim como a posição e opinião das pessoas.
Quando isso acontece, as pessoas podem ser elas mesmas, e se houver intrigas, imediatamente são dissolvidas e desaparecem no ar.
Ser ingênua e natural passa a ser normal, e não tem punição.
O não poder falar das coisas e se preocupar constantemente com o que os outros vão pensar, dizer ou fazer se torna inútil.
Mas, de repente, quando as pessoas percebem que estão voando, felizes, leves e suaves, elas se apavoram, gritam e caem.
Lá embaixo fica difícil olhar por todos os ângulos, então, elas vestem as vendas e máscaras e endurecem.
Esquecem-se que existe, um outro olhar, se fecham e se enfezam da mais fétida amargura e continuam a arrastar a vida, tensa, dura e vazia.
Após algum tempo, ela acorda novamente e toca a poça de sangue que a envolve, pensa que não pode morrer ainda, pois precisa terminar sua missão.
Porém sabe que aqueles são seus últimos suspiros, seu corpo já não tem mais sangue e os pulmões estão secos e doem, menos que o coração.
Então, num último esforço transmitido em gemido ela ainda consegue sussurrar:
Eu quero viver isso!
Anjos não têm sexo, anjos não têm cor, nem identidade e nem direitos.
Eles vêm para servir e transformar.
Linda, inteligente, sensível e meiga ela caminha pela corda esticada e trêmula.
Os espaços estão tensos e ela não pára, caminha.
As pedras atiradas, as palavras proferidas e a oportunidade perdida, ficam, e fazem eco na eternidade, e ela não pára, caminha.
Caminha e cria espaços leves e simples.
Caminha e cria espaços belos e suaves.
Caminha e cria uma doce vida.
Caminha e cria só.
Mas, caminha e cria, sempre.